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Foto do escritorJosé Neivaldo de Souza

UM VÍRUS PARA VIVER.

26 de MARÇO de 2020




Envolvidos por um sistema imediatista, construído em cima de sacrifícios, agimos sem fôlego, como máquinas obrigadas a produzir e reproduzir em função do desenfreado consumo. Um sistema que não nos permite gozar do tempo e tampouco nos deixa pensar e questionar seus discursos de heróis e robôs. Enredados nesta engrenagem, nos falta tempo para conhecer nossa verdadeira essência e compreendê-la melhor.


Lembrando o filósofo Blaise Pascal:

“Estamos sempre dispostos a negar o que não compreendemos”.

De repente, um vírus, um desconhecido, nos damos conta que “é preciso cuidar da vida”. Esta situação vem nos ensinar muitas coisas e, entre elas, a certeza da impotência. Somos todos vulneráveis! Ameaçados por um ser invisível, nos vemos obrigados a parar e, no ócio do confinamento e da distância, começamos a considerar o outro; face à ameaça real da morte, não há diferença de classe social, raça ou gênero. Há sim os que teimam manter o sistema. Para eles, é preciso salvar a economia, apesar das contaminações e infecções. Estamos no mesmo barco, mas neste naufrágio, contemplamos salvar as pessoas, não o mar.


De repente, descobrimos que o nosso “gostar” não se encaixa aos ganhos, salários, lucros, posses e às pessoas que, de acordo com os próprios interesses, podem nos proporcionar algo. Aprendemos a não perder tempo fazendo coisas que não gostamos por pagamentos que nunca nos satisfazem. O trabalho é o dom de criar e não instrumento de opressão em favor do acumulo. José Saramago alertava que “ter é a pior maneira de gostar”.


De repente, reaprendemos a “gostar”, não como obrigação, mas por liberdade. O conselho de Rubem Alves nos motiva: “Aprenda a gostar, mas gostar mesmo, das coisas que deve fazer e das pessoas que o cercam. Em pouco tempo descobrirá que a vida é muito boa e que você é uma pessoa querida por todos”.

Forçados a "parar", descortinamos o tempo e, em nossas casas, erigimos um templo. Templo de trabalho, porque enquanto vivemos é preciso criar e recriar, pois “a vida só é possível reinventada”, dizia Cecilia Meireles. Templo de meditação e oração, porque descobrimos que igreja cheia não é sinal de solidariedade e compaixão. Templo de jejum, porque aprendemos que não é no mercado que encontramos o alimento que verdadeiramente satisfaz a alma. Fazemos da cozinha o lugar da comunhão; do quarto, o lugar da doação; da sala, sob o som da música e de uma taça de vinho, o lugar do perdão e da festa. Aprendemos que ser vulnerável nos faz mais humanos, menos deuses, e isso nos liberta.


Concordo com o escritor Fernando Sabino:

“É preciso fazer da interrupção um novo caminho, a tratar a queda como um passo de dança e a lidar com o medo como se subisse uma escada”.







imagem: acervo wix








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