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Foto do escritorJosé Neivaldo de Souza

FOME DE AMIZADE.

18, de JULHO de 2020.





Michel de Montaigne escreveu um belo texto dedicado à amizade. Como é bom escrever algo pensando em alguém cuja amizade é um tesouro a ser cuidado e preservado! Pois é... Montaigne fez isso. Escreveu com o coração. Duvidava que no mundo houvesse uma amizade tão pura como a que cultivou com o seu amigo Etienne de la Boétie. Ele nos ajuda a pensar sobre o verdadeiro sentido da amizade.

Seduzidos pelo mundo virtual, pelas novas tecnologias, não damos conta de quão banal se tornou a amizade: o efêmero entesourou o essencial, a quantidade se sobrepôs à qualidade e aos valores duradouros. O coração, que antes comportava poucos e bons amigos, deu lugar ao facebook, ao Instagram e às múltiplas mídias sociais que se interessam por números e não por afetos. Aceitam que maldades, mentiras, preconceito, feminicídio, extermínio de pessoas, raças e etnias, sejam compartilhadas justificando-se como arautos da “liberdade de expressão”. Cultivam os relacionamentos líquidos e ilusórios. Pode haver amizade nestes espaços? Até pode, não é de tudo ruim, mas o seu objetivo não é este. A amizade pura exige precaução e prudência, como bem canta Milton Nascimento em “Coração de estudante”:



“Há que se cuidar da vida; há que se cuidar do mundo; tomar conta da amizade”.  

Michel de Montaigne resgata o sentido da amizade. Ela não se limita ao amor natural, porque é algo a ser construído pela vontade livre e não pela lei, por isso é sobrenatural. Ela não se restringe ao amor social e hospitaleiro, porque não busca uma mera convivência ou busca de pessoas agradáveis. Também não se aferra ao amor erótico, “um fogo temerário e volátil, flutuante e variável”, pois transcende a beleza dos corpos. Sua chama é espiritual, menos pueril. 

Pode haver amizade entre familiares, no casamento, no mundo do trabalho etc.? Pode, se tais relações são livres, voluntárias e sujeitas uma compreensão libertadora do ato: nada é de ninguém, ao mesmo tempo em que tudo é genuinamente comum aos dois. Eis o princípio da confiança: uma alma em dois corpos. A amizade é a coisa mais coesa e indivisível que existe, ela não se multiplica e não pode ser transformada em visualizações ligadas à beleza, ao hábito, ao sentimento familiar e até aos próprios interesses. Temos fome de amizade, mais que de pão, e não nos damos conta disso.












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