PÁSCOA: do cativeiro à liberdade.
Atualizado: 9 de abr. de 2020
08 de Abril de 2020.
Páscoa é celebração! Celebrar é tornar célebre, solene, digno de alegria. Mas, o que celebramos? Para muitos, seja por falta de reflexão ou informação talvez, é apenas mais uma data para troca de chocolates ou um saboroso almoço com os seus. Não vejo problema nisso, pelo contrário, é também um tempo para as coisas que nos alegram. Páscoa, porém, é muito mais. Ela nos remete a uma tradição, diria Rubem Alves: a “um tempo que se foi, mas que se recusa a ir de vez e fica dentro da gente, atormentando o coração com saudade”. Uma tradição que transcende o tempo e que, à luz da fé judaico-cristã, dá um sentido sagrado à libertação ou à ação de Deus que não suporta a injustiça e a opressão. Escreveu São Paulo: “onde está o Espírito do Senhor ali há liberdade” (2Cor 3,17). Quem são os oprimidos hoje? Como pensar a libertação à luz dos testemunhos bíblicos? Podemos falar de uma nova páscoa?
Os oprimidos de hoje são as vítimas de um sistema que acorrenta, explora e leva à morte. Esta situação é percebida no Brasil e podemos observá-la na desigualdade social que atualmente é uma das maiores do mundo. Há uma imensa massa de pobres, desempregados e miseráveis vendendo por um salário de fome sua força de trabalho, enquanto há poucos, detentores dos meios de produção ou do capital, acumulando riquezas e influenciando os poderes a seu bel prazer. No relatório da ONU a desigualdade tem um rosto: falta de acesso a uma educação de qualidade, saúde, saneamento básico, transportes públicos eficientes, bons salários e falta de uma justa política fiscal. Sobe aos céus o Clamor das vítimas deste sistema desigual e produtor de opressão. Como pensar o clamor destas vítimas à luz da Bíblia? A Bíblia nasce do grito e da esperança de libertação dos oprimidos:
Gênesis 49,18:
“No Senhor, espero a libertação”
Os hebreus, oprimidos na terra do Egito, clamaram por libertação e Deus viu e ouviu o seu sofrimento (Ex 3,8). É preciso conhecer a mensagem de libertação para entender o sentido da páscoa. Deus se revela como Iahweh, o único e verdadeiro capaz de descer ao humilhado, arrancá-lo da exploração dos ídolos e do poder dos exploradores e conduzi-lo à uma nova terra, templo vivo de Criador. Quarenta anos durou a travessia pelo deserto e, Isaías, em outro contexto de opressão, traduziu a compaixão divina: “Eu o Senhor, o chamei para justiça; segurei firme a sua mão. Eu o guardarei e farei de você um mediador para o povo e uma luz para os gentios, para abrir os olhos dos cegos, para libertar da prisão os cativos e para livrar do calabouço os que habitam na escuridão” (Is 42,6-7).
A Igreja primitiva, trazendo à memória esta tradição, entendeu que, com a libertação do pobre da libertação do pobre, liberta também aqueles que vivem nas trevas do poder e da riqueza. A comunidade de Timóteo (1 Tm 6,17) entendeu esta mensagem: “Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que abundantemente nos dá todas as coisas para delas gozarmos”. Os que são tocados por esta tradição, à luz da fé pascal, têm a missão de anunciar a libertação:
Que ninguém seja violentado nos seus direitos; que nenhuma pessoa passe fome, mas receba um bom salário pelo trabalho digno que realiza; que ninguém seja ignorado em sua dor e sofrimento e que não haja preconceitos por conta de raça, cor ou gênero.
Páscoa, mais do que uma festa com banquetes e bebidas, é tempo de reflexão e retomada do verdadeiro sentido de libertação. É momento de voltarmos à nossa tradição judaico-cristã e lembrarmos da História de nossos pais, os expatriados e explorados por um sistema injusto e violento. É momento de ressignificar o tempo que se chama hoje. Páscoa é tempo de celebrar, mas é principalmente tempo de conscientização e conversão de nossas ideias que, muitas vezes, infelizmente, combinam com a dos poderosos deste mundo.
imagem: https://guiame.com.br/colunistas/joel-engel/ceia-do-messias.html
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