Felizes os humildes de coração.
08 de Maio de 2020.
Os escritos sagrados são luzes que nos ajudam a enxergar esta realidade, não raras vezes insuportável, e a encontrar caminhos de realização. Interpretá-los na perspectiva da humildade é uma das formas de tornar a vida mais humana e menos divina. Estranho né? É isso, o problema da religião está na pretensão de destituir o humano do ser e doutriná-lo a uma perfeição ilusória, muitas vezes conformada ao pensamento de seus líderes que, sem saber, adoram Procusto e não o Deus misericordioso de Jesus. Procusto, na mitologia grega, era um soberbo que vivia na floresta. Todos que por ali passavam, ele os raptava e os colocava em seu leito. Os que eram maiores que a cama, ele lhes cortava os pés; os que eram menores, ele os esticava. Assim são os que procuram doutrinar ou divinizar as pessoas conforme a imagem que projeta de seu deus.
Quem ambiciona um mundo divino não aceita outra verdade e menospreza o que há de mais humano: a humildade. As palavras “humano” e “humildade” têm a mesma raíz latina: humus quer dizer terra. Deus criou o ser humano para cuidar da terra, porque do céu Ele cuida. O espirito dos sábios do Primeiro Testamento, de Jesus Cristo e dos primeiros mártires da Igreja continua, apesar do “leito de Procusto”, iluminando os caminhos da realização humana.
A humildade serviu aos sábios, profetas e ao povo de Israel na luta contra a prepotência e na conquista da libertação. O autor de Provérbios entendia que, aos olhos de Deus, não há sabedoria na soberba: “na soberba está a violência, na humildade a sabedoria” (Pr 11,12). Os soberbos são vaidosos e egoístas, exibem um conhecimento que não possuem. Miqueias ensinou que só na humildade se pode praticar o amor e a justiça (Mq 6,8).
A humildade é um valor, os evangelistas e os primeiros mártires apontam para isso: “Felizes os humildes de coração, porque deles é o Reino dos céus!” (Mt 5,3). Aos discípulos, disse Jesus: “Se quiser ser o primeiro, que seja o último, aquele que serve” (Mc 9,35), eis a exigência do caminho. Jesus resgata a face de um Deus que os poderosos deturpam e interpretam conforme a própria imagem: “Tomai o meu jugo e aprendei de mim a mansidão e a humildade de coração. Assim encontrareis descanso para as vossas almas” (Mt 11,29).
Paulo convida os Filipenses à renúncia da violência e da soberba. Para ele, é preciso considerar que não há pessoas indignas, todas têm o seu valor (Fl 2,3). Na carta aos romanos, escreve: “sede unânimes entre vós; não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes” (Rm 12,16a). Pedro exorta para a prática da humildade: amando e servindo uns aos outros (1Pe 3,8) e, para Tiago, não há outro meio para demonstrar sabedoria senão pelas obras da humildade (Tg 3,13).
Concordo com Rubem Alves:
“Não vejo a minha córnea. Vejo através dela. Quem vê a própria córnea é cego. Deus é como a córnea: uma transparência invisível que nos permite ver. Quem diz que vê Deus é cego de Deus”.
imagem: https://jornalggn.com.br/noticia/o-mito-de-procusto-nos-ensina-sobre-a-violencia-no-desacordo/
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