CORONAVÍRUS: o fantasma do medo e da negação.
Atualizado: 26 de mar. de 2020
19 de MARÇO de 2020
Rubem Alves:
“Há uma morte que acontece antes da morte. Quando se conclui que não há mais razões para viver. Quando morrem as razões para viver, entram em cena as razões para morrer”.
Estamos experimentando, por diversas vezes, duas distintas paixões que, a meu ver, se combinam diante uma ameaça invisível. De um lado o medo e do outro a falsa segurança da negação. São atitudes, mais comuns diante do Covid-19, a pandemia do Coronavírus. Diante desta realidade há duas tentações comuns: a de ceder às profecias catastróficas, se juntando aos apavorados de plantão e a de agir com indiferença junto aos que justificam sua negação acusando de “fantasias” os fatos, presenciados e noticiados. A desorientação nos angustia. Clarice Lispector, em seu romance “A Paixão segundo G.H.”, expressou bem esta angustia ao escrever: “tenho medo de viver o que não entendo. Quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo”.
O medo, diante de qualquer desorientação, pode ser útil e pedagógico, porém enquanto neurótico e imaginário, pode desencadear o pânico e isso não ajuda em nada, pelo contrário, emperra as iniciativas corajosas. Shakespeare diferenciava o medo visível do medo imaginário. Para ele, o medo imaginário é uma paixão baixa, aterroriza e paralisa a alma. É este tipo de medo que Martin Luther King temia e contra o qual convocou os fiéis a “construir diques de coragem para conter a correnteza do medo”. Concordando com Clarice, tenho medo de viver o que não entendo, mas que este medo seja sinônimo de receio e não de pânico; sinônimo de temor e não de covardia. A negação, diante de qualquer desorientação, pode ser sinônimo de descrédito. É um estado de espírito que precede qualquer acontecimento e sente prazer na divergência em relação à verdade dos fatos.
O filósofo Paul Valéry:
“Antes que tenhas falado, se me és antipático, a minha negação está pronta”.
A negação é mãe do orgulho. Goethe, magnifico poeta alemão diria: “os orgulhosos são vaidosos daquilo que entendem, mas diante do que não entendem, são arrogantes”. A negação, que tem na base o orgulho, não dignifica ninguém e Santo Agostinho a apontou como “inchaço”: o que parece sadio, mas não é.
Recordo a fábula de Esopo sobre a “Assembleia dos Ratos”. Por medo do gato, os ratos resolveram se reunir e acabar com o pânico. Entre eles havia também os que não se preocupavam com o gato e o tratavam com indiferença e ironia, negando sua presença. Em meio às discussões, um deles teve a brilhante ideia: pendurar uma sineta no pescoço do felino, assim poderiam ouvi-lo quando estivesse por perto. Diante de uma sugestão tão ousada, um velho rato se levantou e fez a seguinte observação: quem vai pendurar a sineta no pescoço do gato?
mo o gato, é comumente tratada com terror ou negação. Assembleias acontecem a fim de encontrar respostas e sugestões diante deste mal invisível. Não é pelo medo e, tampouco pela negação, que vamos vencê-lo, mas pela precaução. A precaução vai pendurar o sino no pescoço desta pandemia. A humanidade já passou por vários flagelos e sobreviveu a eles. É preciso incentivar as pesquisas científicas, não basta a fé; urge apoiar o Estado e o investimento na saúde pública e não o seu desmonte em favor das privatizações dos serviços públicos que só prejudicam e aterrorizam a população mais vulnerável de nossa sociedade.
Lembrando o filósofo Blaise Pascal:
“Estamos sempre dispostos a negar o que não compreendemos”.
De repente, um vírus, um desconhecido, nos damos conta que “é preciso cuidar da vida”. Esta situação vem nos ensinar muitas coisas e, entre elas, a certeza da impotência. Somos todos vulneráveis! Ameaçados por um ser invisível, nos vemos obrigados a parar e, no ócio do confinamento e da distância, começamos a considerar o outro; face à ameaça real da morte, não há diferença de classe social, raça ou gênero. Há sim os que teimam manter o sistema. Para eles, é preciso salvar a economia, apesar das contaminações e infecções. Estamos no mesmo barco, mas neste naufrágio, contemplamos salvar as pessoas, não o mar.
De repente, descobrimos que o nosso “gostar” não se encaixa aos ganhos, salários, lucros, posses e às pessoas que, de acordo com os próprios interesses, podem nos proporcionar algo. Aprendemos a não perder tempo fazendo coisas que não gostamos por pagamentos que nunca nos satisfazem. O trabalho é o dom de criar e não instrumento de opressão em favor do acumulo.
José Saramago alertava que:
“Ter é a pior maneira de gostar”.
De repente, reaprendemos a “gostar”, não como obrigação, mas por liberdade. O conselho de Rubem Alves nos motiva: “Aprenda a gostar, mas gostar mesmo, das coisas que deve fazer e das pessoas que o cercam. Em pouco tempo descobrirá que a vida é muito boa e que você é uma pessoa querida por todos”.
Forçados a "parar", descortinamos o tempo e, em nossas casas, erigimos um templo. Templo de trabalho, porque enquanto vivemos é preciso criar e recriar, pois “a vida só é possível reinventada”, dizia Cecilia Meireles. Templo de meditação e oração, porque descobrimos que igreja cheia não é sinal de solidariedade e compaixão. Templo de jejum, porque aprendemos que não é no mercado que encontramos o alimento que verdadeiramente satisfaz a alma. Fazemos da cozinha o lugar da comunhão; do quarto, o lugar da doação; da sala, sob o som da música e de uma taça de vinho, o lugar do perdão e da festa. Aprendemos que ser vulnerável nos faz mais humanos, menos deuses, e isso nos liberta.
Concordo com o escritor Fernando Sabino:
“É preciso fazer da interrupção um novo caminho, a tratar a queda como um passo de dança e a lidar com o medo como se subisse uma escada”.
imagem: https://www.brasil247.com/
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