A SACANAGEM DOS FOGOS DE ARTIFÍCIO
02 de JANEIRO de 2020
Rubem Alves
“Eu quero desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram. Desencaixotar emoções, recuperar sentidos”
Não me agrada fazer propósitos no réveillon, porém, pensando melhor, resolvi, como Rubem Alves, que este ano será de contestação: quero “desaprender para aprender de novo”. Mais um ano se foi, que os novos ventos nos ajudem a enxergar os brotos de um outro mundo possível, sem ódio ou violência em relação aos mais frágeis de nosso planeta; sem agressão à nossa “casa comum”, como escreveu o papa Francisco em sua Encíclica “Laudato Si”.
Presenciamos, nesta festa da virada, os estouros de fogos de artifícios. Para muitos, é um grande espetáculo, mas esta prática pode ser repensada e desaprendida. Há outras formas mais inteligentes e sustentáveis para brindar os festejos. O “adeus ano velho” e a saudação ao novo ano têm o seu bônus, mas, o ônus é maior quando se trata de vidas e não de faturamento econômico.
Cedinho me desperto com o canto dos pássaros e com o meu cachorro me cutucando para a primeira caminhada do dia. Esta manhã, 01 de janeiro de 2020, acordei tarde. Não fui acordado pelo trinado do Sabiá... Olhei ao redor, vi o meu perro, de cabeça baixa e olhos esbugalhados, ainda apavorado com os estardalhaços das bombas.
Esta percepção me fez refletir durante o dia. Resolvi “desencaixotar emoções” e chorar com os que choram. Os danos causados pelos fogos de artificio são irreparáveis, principalmente quando se trata da preservação da natureza e da saúde dos animais e das pessoas.
O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de fogos de artificio e virou hábito soltar foguetes para comemorar as datas festivas. Por conta deste costume a maioria da população sequer pondera suas consequências como: poluição sonora e poluição do ar. Minha observação não é absurda: O que dizer diante de quase 3 milhões de pessoas assistindo, na praia de Copacabana, ao show pirotécnico, sem contar os que, diante da tv, também compactuam com este tipo de agressividade?
Estudos mostram como esta atividade é prejudicial à atmosfera. No caso de Copacabana, por exemplo, sem citar outras cidades brasileiras, são 17 toneladas jogadas ao ar num curto prazo de 14 minutos. Que impacto tem na saúde dos habitantes da região esta quantidade de poluentes atmosféricos?
E a poluição sonora? A maioria parece não se preocupar com os bebês, os velhos, os doentes, os autistas a quem os fogos de artificio levam a um alto nível de estresse. Também quem os manuseia corre sérios riscos.
Os males que causam aos animais domésticos e silvestres são irreparáveis. O estrondo dos fogos estressa e aterroriza os animais. Eles se apavoram e na tentativa de fugirem ou se esconderem, ficam vulneráveis a acidentes. Muitos abandonam o seu habitat e se perdem e não conseguem mais voltar, passam por sérias dificuldades. É comum o ataque cardíaco em aves, devido ao susto que causam os fogos.
Não tenho a pretensão de acabar com a festa das pessoas, mas provocar a uma reflexão que leve a “recuperar sentidos”. É necessária uma lei, em nível nacional, que controle tal atividade. Não basta algumas iniciativas como proibir fogos de forte estampido. Urge olhar a natureza, as pessoas e os animais e questionar qualquer ideologia que tenta ligar a arte ao consumismo.
Enquanto escrevo, escuto a música de Milton Nascimento: “Bola de Meia, Bola de Gude”. Talvez eu possa dizer que o meu propósito maior, para este novo ano, seja este:
Milton Nascimento
“Não posso Não devo Não quero Viver como toda essa gente Insiste em viver E não posso aceitar sossegado Qualquer sacanagem ser coisa normal”.
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